A unanimidade

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Sempre fui um observador dos efeitos da unanimidade, principalmente a dos auditórios, quando o público, magnetizado pela sugestão, se ergue das cadeiras e aplaude, levado pela emoção que muitas vezes se sobrepõe à razão e ao bom senso.
Das unanimidades, a da política é a mais perigosa, capaz de trazer grandes prejuízos à nação e à sociedade, que se deixa levar pelo discurso e pelo carisma pessoal de alguns candidatos ou candidatas que postulam a este ou àquele cargo.
Todos estamos lembrados da campanha do ex-presidente Collor, dos seus discursos contra os marajás e do seu magnetismo pessoal que impressionava principalmente as mulheres na década de 90.
Também foi assim, em 1960, com o ex-presidente Jânio Quadros, que se propunha fazer uma varredura no país e em suas instituições, e cujo símbolo de campanha era justamente uma vassourinha, usada como ‘boton’ por seus eleitores.
E todos sabemos o que aconteceu com seus governos.
Também no aspecto religioso, muitos se deixam iludir pela apresentação pessoal de um padre ou pastor, e invariavelmente aplaudem tudo o que diz, divulgando seus vídeos e mensagens.
Nas artes também existe essa unanimidade em torno de alguns pintores, músicos e escritores, e muita gente não sabe quando, como e por que se tornaram famosos.
Há muitos anos vi um filme sobre a vida de um pintor famoso e muito aplaudido, principalmente pelos críticos, até que descobriram que o verdadeiro autor de seus quadros era um chipanzé de estimação.
Quanto à música, na década de 50 um grande compositor nosso gravou uma letra chamada A Nova Flor. Apesar da divulgação na época, a música não teve repercussão nenhuma. Passado algum tempo, um estrangeiro apropriou-se da composição, conservou a música, modificou a letra e lançou-a nos Estados Unidos. Foi um sucesso internacional e é até hoje em vários países da América, inclusive no Brasil. Essa música em espanhol tem o título de “DICEN QUE LOS HOMBRES NO DEBEN LLORAR …”, e seu autor é um brasileiro chamado Mario Zan,
E há quem não saiba que muitas músicas e letras que fazem sucesso na interpretação de músicos, cantores e cantoras aplaudidos pela unanimidade de hoje são de autoria de compositores humildes, pouco aplaudidos e não muito valorizados em seu tempo, como Lupicínio Rodrigues, Ataulfo Alves e Adoniran Barbosa.
Na Literatura a unanimidade se faz sentir ainda maior, com autores como Garcia Marquez, Jorge Luiz Borges, Ernest Hemmingway, Saramago, Vargas Llosa, etc., que tiveram seus nomes e suas obras em evidência pelo fato de terem recebido o Prêmio Nobel.
A partir daí, tudo o que haviam produzido anteriormente e o que viessem a produzir depois, fosse o que fosse, seria aplaudido pela crítica internacional.
Por essa razão o escritor e filósofo Sartre recusou o Prêmio Nobel dizendo que não poderia conviver com o fato de ser considerado um autor unanimemente diferenciado antes e depois daquela frase ostensiva nas capas de seus livros, simplesmente por constar, após o seu nome: “Prêmio Nobel de Literatura”.
Certa vez uma repórter perguntou ao nosso poeta Mário Quintana o que achava da importância daquilo que ele mesmo escrevia e ele respondeu:
“Olha, minha filha, depois que viramos unanimidade, qualquer bobagem que dizemos ou escrevemos é elogiada e aplaudida.”
Ou seja, às vezes a unanimidade une as pessoas em torno de um autor, mais em função da referência elogiosa, da publicidade ou da propaganda, do que pelo gosto ou pelo efetivo conhecimento do conteúdo da sua obra.

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