O Miserável …

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Lá pela década de 50, numa velha casa de madeira em cima de um barranco, numa esquina da Rua Duque de Caxias, sem número, nas proximidades do Beco do Maragato, vivia o miserável.

Não se dava com os vizinhos, evitava-os, não os cumprimentava e vivia isolado de tudo e de todos. Havia quem dissesse que era um paranóico de guerra. Outros diziam que era um velho cura aposentado. Mas também havia quem dissesse que era um ex-médico que fora incapacitado de exercer a medicina porque não regulava bem das faculdades mentais.

Fosse como fosse, não tinha nenhum parente e morava sozinho. Tinha todas as características de um avarento, na indumentária e no comportamento arredio.

Seu casebre não tinha água nem luz instalada. A água ia buscá-la na bica da esquina da Rua Dr. Fialho, numa lata de azeite das grandes; a luz, usava ainda a lamparina, que consistia num vidro com uma rolha furada e uma mecha de pano embebida no querosene.

Não pedia nada a ninguém e parecia não passar fome.
Em raríssimas ocasiões era visto durante o dia, por vizinhos madrugadores, quando ia buscar água na bica, de manhã cedinho. Depois se enfurnava em seu casebre cujas portas e janelas permaneciam fechadas.

Um dia apareceram dois missionários religiosos e acharam de bater palmas em sua casa.

— Fora ! Deixem-me em paz !, foi o que se ouviu em seguida. Era o miserável que gritava e ameaçava com os punhos fechados aos missionários que foram obrigados a bater em retirada. O miserável não permitia que ninguém perturbasse o seu sossego.

Assim vivia esse homem rude que aparentava uns 60 anos, tinha estatura média, o rosto vincado e os olhos de lince, que usava os cabelos compridos e amarrados atrás da cabeça, e que todos conheciam apenas como “O Miserável”.

Até acontecer um caso que veio modificar a opinião dos moradores acerca do seu vizinho.

Uma mulher da vizinhança foi acometida de um mal súbito e, não podendo ser transportada, alguém saiu às pressas atrás de um médico. Mas não havia nenhum médico, pois era um final de ano e os poucos médicos que havia na cidade estavam ausentes ou curtindo as festas de final de ano com a família.

A mulher continuava com os mesmos sintomas e dores agudas e a família desesperada não sabia o que fazer. Um grupo de curiosos se amontoou na frente da casa. Lá dentro a mulher continuava a gritar. Foi quando, abrindo caminho por entre os curiosos, surgiu o miserável.

Grande foi a surpresa daquela gente, ao ver ali, em carne e osso, aquele que sempre se mostrara indiferente aos acontecimentos da vizinhança.

— Afastem-se ! — disse ele — Essa coitada precisa de ar puro. Tragam-me água gelada e uma toalha limpa !

A ordem foi cumprida. O miserável deitou algumas gotas de um preparado de um vidrinho dentro da bacia com água e mergulhou a toalha na água. Em seguida estendeu a toalha sobre a mesa e começou a dobrá-la em várias partes. Feito isso, mandou descobrirem o ventre da mulher e sobre o lado direito aplicou a toalha úmida dizendo:

— Ela ficará boa. Deixem-na em paz.

E afastou-se dali rumo ao seu casebre.

A mulher realmente melhorou e não voltou a sentir mais nada.

Passaram-se os dias e o miserável não foi mais visto, nem sequer de manhã cedinho a caminho da bica. Sumira. Todos comentavam a sua ausência , até que alguns vizinhos foram ao casebre que permanecia fechado. Bateram na porta. Mas a resposta foi o silêncio. Então arrombaram a porta. E não havia ninguém. Teias de aranha cobriam as duas únicas peças da casa como se há muito estivesse desabitada. O tempo passou e o casebre virou tapera abandonada, e do miserável, ninguém mais soube notícias. Sua figura virou lenda. 

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