Porongos e Salsipuedes

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Lendo um conto do escritor francês Prósper Mérimée sob o título de “O Manuscrito do Professor Wittenbach”, me deparei com uma curiosa passagem que talvez contenha alguma correlação histórica verdadeira, quando o personagem principal do conto, ou seja, o professor Wittenbach, nos fala de uma viagem que fez à República Oriental do Uruguai, na época governada pelo general presidente José Fructuoso Rivera, para estudar a língua e os costumes dos índios charruas.

Um desses costumes, entre os índios e os guerreiros militares brancos daquele tempo, entre os quais o próprio Presidente, na falta de água potável, era beber o sangue morno de sua montarias, pois o sangue dos cavalos, segundo eles, constituía um poderoso tônico para refazer as energias.

A propósito desse costume, contou-me certa vez o saudoso amigo Juvelino Santana,  quando ele era açougueiro na Mercearia Duquesa, aqui na Rua Duque de Caxias, entre as Ruas Andradas e Conde de Porto Alegre, que na época em que trabalhava no Frigorífico Armour, ele e outros companheiros costumavam beber, em substituição ao café da manhã ou da tarde, um copo de sangue bovino morno de animais recém abatidos, justamente pelo fato de esse sangue conter um alto poder energético e nutritivo.

Voltando agora ao conto de Prósper Merimée, que parece ter sido ele mesmo o hóspede oficial do presidente uruguaio em lugar do personagem do seu conto, ele diz textualmente em seu livro: “Meu excelente amigo , Don Frucuoso Rivera, presidente da República do Uruguai, raramente perdia uma oportunidade de satisfazer esse gosto”.

Sabe-se que o grande caudilho militar General Fructuoso Rivera, que serviu sob as ordens do General Artigas de 1811 a 1816, que combateu aos ditadores Rosas e Oribe, que foi oficial do exército imperial brasileiro e também chegou a ser nomeado – quem diria – coronel comandante das forças portuguesas na Província Cisplatina, ao tentar conter uma revolta independentista acabou se unindo ao grupo dos 33 Orientales, como segundo chefe militar, ao lado de Juan Antonio Lavalleja, derrotando seus adversários em sucessivas batalhas e se tornando o primeiro presidente do Uruguai logo depois da sua independência em 1828, governando o país por duas vezes, entre 1830 e 1854, data de sua morte, sendo, portanto, contemporâneo do escritor Prósper Merimée, que a ele se refere como amigo no conto autobiográfico acima mencionado.

E vejam vocês a ironia da história.

Assim como na revolução farroupilha no Rio Grande do Sul nos deparamos com o lamentável massacre do Arroio de Porongos, quando foram mortos os  lanceiros negros numa emboscada supostamente combinada entre os chefes farroupilhas, indo eu buscar mais informações sobre o general Fructuoso Rivera, descobri que mais ou menos naquela época aconteceu no Uruguai outro episódio perpetrado pelo Coronel Bernabé Rivera, sobrinho do General Fructuoso, o qual, segundo consta, iniciou sob as ordens do seu tio o massacre dos últimos índios charruas no território do vizinho país, também numa emboscada, às margens dum arroio, sendo mortos 40 e aprisionados 300 índios, que depois foram vendidos como escravos em Montevidéu. Esse episódio ficou lembrado, na história do Uruguai, como o Massacre de Salsipuedes.

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