Culto à personalidade

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Observa-se que aparecem no noticiário algumas referências demasiadamente elogiosas ou tolerantes a certas personalidades que vão fazendo a fama nesta América Latina e que para o consenso geral de nossos atuais padrões de convivência societária, tais figuras não deveriam ser consideradas como parâmetros de lideranças.

Desde o momento em que as antigas colônias sul-americanas foram adquirindo a sua autonomia da coroa espanhola e conformando os seus limites territoriais, surgiram os seus líderes travestidos de comandantes militares e, ao mesmo tempo, chefes de estado e juízes. A figura do rei absolutista espanhol, tão odiada por aqui, acabou sendo assimilada pelo seu líder que se transformou em ditador pelas armas ou pelos conchavos.

A história se repetiu em todos os países da América Espanhola desde a independência até os dias de hoje. Passados quase 200 anos daquela época, ainda não conseguimos nos livrar definitivamente daqueles arquétipos que aqui e acolá surgem como os endeusados salvadores da pátria. Se naquele tempo usavam a espada e a lança como arma, hoje a chave do cofre do Estado e a propaganda política são as suas armas preferidas e eficientes.

Já é histórico que estas personalidades procuram ficar blindadas a qualquer alusão depreciável que possa atingi-las. Hannah Arendt (1906-1975) em sua clássica monografia intitulada Origens do Totalitarismo mostra a semelhança de tratamentos que eram dispensados aos chefes, no nazismo a Hitler e no comunismo a Stálin. Diz ela: “A semelhança entre os dois sistemas – o nazista e o comunista – transparece da comparação entre as declarações dos chefes nazistas logo após a derrota alemã (‘Hitler de nada sabia, os culpados eram os líderes locais, etc’) e dos escritores e intelectuais que, como Ilia Eheremburg, compactuaram com o stalinismo, dizendo depois que ‘Stálin nada sabia’, quanto às atrocidades cometidas, a culpa sendo de tal ou qual chefe de polícia local”.

Há mais de 40 anos atrás Hannah Arendt já identificava algumas facetas do culto da personalidade que nos dias de hoje são repetidos e utilizados para salvar a pele do Manda-Chuva de plantão. Ele de nada sabe, portanto ele se tornou inimputável. Tudo o que tenha acontecido de mau, jamais poderá ser de sua responsabilidade e assim a personalidade continuará sendo entronizada e reverenciada como o inigualável líder e pai da nacionalidade.

Apesar das lições históricas que as ditaduras escreveram em todos os quadrantes, até parece que os latino-americanos não conseguem perceber que o tratamento dispensado a determinadas personalidades (algumas desvairadas) não se coaduna mais com o estado de direito, que identificamos como democracia.

*Renato Levy é advogado em Santana do Livramento/RS

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