A queima de livros

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Não é de hoje que a apreensão e queima de livros se tornou uma das mais deploráveis manifestações de intolerância humana. Em setembro de 2013, no estado da Flórida (EUA) o pastor evangélico Terry Jones foi preso com 3 mil exemplares do Corão, o livro sagrado da religião islâmica, que iria queimar em público para lembrar o fatídico atentado de 11 de setembro de 2001, foi mais uma faísca incendiária para aquecer os espíritos belicosos que estão permanentemente à espreita de uma fagulha para incentivar a conflagração de guerras e disputas entre pessoas e países.

Ainda é recordado o escritor indiano Salman Rushdie por ter escrito Versos Satânicos em 1989 que condenava o Islã por perseguição contra várias religiões cristãs e hindus, causando a maior celeuma no mundo islâmico, porque o livro foi considerado ofensivo ao profeta Maomé. Até hoje pesa sobre o autor a pena de morte imposta pelos aiatolás do Irã.

Sabe-se que a famosa biblioteca de Alexandria no Egito, foi incendiada em 48 a.C. Dizem alguns que foi acidente não intencional do imperador Júlio César, aquele mesmo que se apaixonou por Cleópatra. Intencional ou não, a Humanidade perdeu toda a sua historiografia anterior que estava ali guardada. A queima de livros também não é fato estranho às Escrituras cristãs.

Estão lá nos Atos dos Apóstolos os seguintes versículos: “E muitos dos que creram vinham confessando e revelando as suas próprias obras. Muitos também dos que tinham praticado artes mágicas ajuntaram os seus livros e os queimaram na presença de todos; e, calculando o valor deles, acharam que montava a cinqüenta mil moedas de prata”. (AT 19,18-19)

Quem sabe, por influência destes versículos citados, tivemos o período tenebroso da Inquisição que durou desde o século 12 até o 19, quando todos aqueles escritos e livros que despertassem a suspeita de que contrariavam os textos bíblicos eram queimados, podendo os seus autores também ter o seu fim na fogueira.

O escritor alemão de origem judaica Heinrich Heine (1797-1856) escreveu em uma de suas peças teatrais que “onde se queimam livros, também se queimam pessoas”. A escritora Hannah Arendt (1906-1975) em seu apreciado e profundo estudo sobre as “Origens do Totalitarismo”, quando esmiuça os regimes nazista e comunista ressalta que a apreensão de livros e outras formas de expressão intelectual eram ações corriqueiras, a fim de não permitir qualquer manifestação contrária ao pensamento oficial.

Aqui no Brasil a situação não foi diferente em dois momentos cruciais de nossa história. As ditaduras Vargas e Militar foram muito atentas e preocupadas com a apreensão e queima de livros, jornais e revistas. Durante a ditadura Vargas os livros de Jorge Amado e de outros escritores foram caçados nas livrarias. Gráficas foram fechadas porque poderiam ser os berçários destes infamantes textos contrários à ideologia do Estado.

Lamentavelmente, as mais sutis formas de censura ainda estão presentes em todos os recantos de nosso planeta. Se hoje não é mais comum queimar escritos, opta-se pela vedação de sua publicação, muitas vezes até por ordem judicial como se esta fosse a expressão da verdade suprema e insofismável.

* Renato Levy é advogado em Santana do Livramento/RS

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