Um cronista do século 20

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Não tinha 20 anos e devorava afanosamente os romances, contos e crônicas do escritor italiano Dino Serge (1893-1975), conhecido nos meios literários pelo seu pseudônimo de Pitigrilli. Este escritor, nascido em Turim, na Itália, teve que se refugiar em Buenos Aires em decorrência da perseguição aos judeus, na década de 30.

Pitigrilli, assim como tantos outros italianos que tiveram que se homiziar na Argentina pela mesma razão, logo encontrou um campo fértil no meio da intelectualidade rio-platense, para continuar exercendo a atividade de escritor e mantendo colunas jornalísticas, distribuídas por agências noticiosas da época e publicadas por diversos jornais de todos os quadrantes.

Pitigrilli era diferente e inimitável, era sarcástico e irreverente, buscava nas experiências do cotidiano tirar as suas ilações e sobre elas desenvolver o seu racionalismo, fundado no conhecimento das peculiaridades de cada região e de cada sociedade. Ele identificava as idiossincrasias de cada povo e sobre elas armava os seus contos, suas novelas e suas crônicas publicadas diariamente nos jornais, ridicularizando e satirizando determinados conceitos sociais que são plasmados, como se verdades eternas e inequívocas fossem.

Lembro-me daqueles títulos que tanto me encantaram como A Virgem de 18 Quilates, O Cinto da Castidade, O Umbigo de Adão, A Necessidade de se Iludir, O Homem que Inventou o Amor, Os Vegetarianos do Amor, O Deslize do Moralista, Cocaína e tantos outros. Em uma de suas crônicas-conto faz o elogio ao garçom como um ser superior que sempre nos olha de cima para baixo prazerosamente nos confortando. Eis um tópico desta crônica:

“O garçom é o trabalhador que tem a ciência mais enciclopédica da vida. Conhece o valor do político e da atriz, prevê as oscilações do câmbio, advinha que cavalo ganhará a corrida, vê com olho clínico os cuidados requeridos por um estômago precário e tem sempre a mão a sentença filosófica para levantar o moral, a pitada de bicarbonato para neutralizar a azia, o talco para tirar a mancha à gravata. E, se o aperitivo se derrama num par de calças novas, o garçom, estribado em sua autoridade e experiência, garante que o aperitivo não mancha. O garçom é um distribuidor de otimismo. Sabe filtrar entre os ‘dizem’ contraditórios o mais verossímil”.

Outro conto de Pitigrilli que jamais me olvidei é aquele no qual ele narra com requintes de detalhes e ironia todos os gastos e preparatórios que a burguesia fez para estar apta, a fim de participar de uma estrondosa festa beneficente com recolhimento de donativos e leilões em prol dos pobres desvalidos, que receberão as migalhas que sobrarem daquela abastança.

Inclusive algumas madames esquecerão de pagar a conta da costureira, referente aos vestidos que brilharam e foram elogiados na festa. Sociedade de emergentes é assim.

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