Jorge Luís Borges e a Fronteira

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Entre os autores latino-americanos, sempre tive uma predileção pela obra de Jorge Luís Borges, o escritor argentino que contribuiu em muito para dar um caráter universal e atemporal à literatura produzida neste continente. Borges nasceu no centro de Buenos Aires, na Rua Tucumán, entre Esmeralda e Suipacha, em 24 de agosto de 1899, indo morar no bairro Palermo, na “villa” de sua avó materna, que o alfabetizou na língua inglesa para posteriormente aprender a escrever em castelhano. Foi lá que ele abeberou-se na literatura universal ao ponto de ter traduzido para o espanhol uma obra de Oscar Wilde quando tinha apenas nove anos de idade.

Mais tarde, Borges relatou a sua infância dizendo que “Yo creí, durante años, haberme criado em um subúrbio de Buenos Aires, un subúrbio de calles aventuradas y de ocasos visibles. Lo cierto es que me crié em un jardín, detrás de uma verja com lanzas y em una biblioteca de ilimitados libros ingleses”.

Quando tinha 15 anos, Borges e sua família foram morar em Genebra e lá ele aprendeu francês e alemão, completando na Europa a sua formação intelectual. Aos 20 anos se transferiu para a Espanha onde passou dois anos, tendo retornado a Buenos Aires em 1921. Borges faleceu em Genebra aos 14 de junho de 1986, tendo produzido uma obra literária do mais alto nível tanto na poesia como na prosa.

É marcante na obra de Borges o fato de que a sua narrativa não se restringe a uma cidade ou a um país, como é o caso de nosso Machado de Assis A sua produção literária demonstra o seu profundo conhecimento nas mais diversas áreas do conhecimento humano e dos escritores de todos os quadrantes do planeta.

Particularmente, algo me chamou a atenção na obra de Borges. Em diversos contos e em outros textos ele teve clara predileção ficcionista em mencionar fatos que teriam acontecido em cidades brasileiras. Ele deixa claro em diversas oportunidades que havia passado e conhecia amiudadamente a região de fronteira entre o Brasil e o Uruguai.

Tais passagens literárias de seu imaginário e as entrevistas que Borges concedeu ao longo de sua vida, confirmam a tradição oral que perpassou por gerações, na qual o escritor argentino costumava transitar por Santana do Livramento(RS) e Rivera (UY) lá pelos idos da década de 30.

É emblemático o seu conhecido conto “El Muerto” que narra a história do jovem argentino e aventureiro “Benjamin Otálora, de quien acaso no perdura un recuerdo en el barrio de Balvanera y que murió en su ley, de un balazo, en los confines de Río Grande do Sul”.

O outro personagem do conto é o contrabandista Azevedo Bandeira, que tem seu centro de atividades no departamento de Taquarembó (UY) e “alguien opina que Bandeira nació del otro lado del (rio) Cuareim, en Rio Grande do Sul”. O autor conta que “Un mediodía, ocurre en campos de Tacuarembó un tiroteo con gente riograndense; Otálora usurpa el lugar de Bandeira y manda a los orientales”. É de notar que o nome Bandeira está grafado em português.

No seu conto Tlön, Uqbar, Orbis Tercius sobre uma enciclopédia e um planeta imaginários, (alguém já disse que Borges prenunciava o surgimento da Wikipédia na Internet) um de seus personagens é o engenheiro Herbert Ashe que conta que estivera no Rio Grande do Sul e o narrador do conto afirma: “Ocho años que lo conocíamos y no había mencionado nunca su estadía en esa región… Hablamos de vida pastoril, de capangas, de la etimología brasilera de la palabra gaucho (que algunos viejos orientales todavía pronuncian gaúcho) y nada más se dijo”.

Mais adiante, diz o narrador: “Ocurrió unos meses después, en la pulpería (parada e venda à beira de estrada) de un brasilero, en la Cuchilla Negra. Amorim y yo regresábamos de Sant’Anna. Una creciente del río Tacuarembó nos obligó a probar (y a sobrellevar) esa rudimentaria hospitalidad”. Durante a noite morre alguém pela bebedeira e “Nadie sabía nada del muerto, salvo ‘que venía de la frontera”.

No ensaio “El Martin Fierro”, publicado em 1953, ele se refere expressamente a Santana do Livramento, onde o poeta José Hernández estivera refugiado a partir de abril de 1871 e que a frase de Hernández na carta prólogo ao poema, que escreveu a Don José Zoilo Miguens, dizendo que “al fin me he decidido a que mi pobre MARTIN FIERRO, que me há ayudado algunos momentos a alejar el fastidio de la vida del Hotel”, está se referindo à fronteira brasileiro-uruguaia “onde os gaúchos uruguaios e rio-grandenses lhe trariam a lembrança dos gaúchos de Buenos Aires”.

Os tópicos que aqui reproduzo são apenas uma amostragem da vasta obra de Borges que o identifica com esta Fronteira da Paz composta por estas cidades xifópagas Santana do Livramento e Rivera.

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