Os heróis de Freud …

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Todos somos, mais ou menos, assistentes ou personagens da apatia, da paranóia ou da esquizofrenia do cotidiano da vida.

Este jovem, por exemplo, que se julga o ídolo das mulheres, com o seu andar característico, balançando-se de um lado para outro, e o seu ininterrupto discurso, é um deles.

Aquele era um camarada culto e inteligente, de boa família, trabalhava, escrevia poesias e costumava recitar seus versos de amor, e agora acabou em andarilho que às vezes se senta num banco da praça e ali fica quieto, sorrindo e observando o cotidiano.

Aquele outro era um excelente profissional na área de construção civil, bom pai de família, com esposa e filhos. Agora anda solitário pelas ruas dirigindo insultos a inimigos invisíveis.

E finalmente este artista plástico incompreendido que por sua deficiência verbal e auditiva e seu modo desconfiado e esquisito de andar não encontrou um ambiente muito agradável em sua terra natal e acabou indo embora para a capital, onde afinal foi bem recebido, reconhecido por sua capacidade e talento e hoje, felizmente, leva uma vida digna.

O primeiro quase todos os dias atravessa a cidade, a passos balanceados, como se fosse um marinheiro, e às vezes leva consigo um violão … Seu alvo são as mulheres, às quais dirige inocentes galanteios, tais como “olá meu amor, eu quero me casar contigo”.

O segundo caminha devagar, com o mesmo andar tranqüilo e elegante do filósofo que sempre foi. Depois, senta-se num banco desta ou daquela praça e ali fica durante horas tranquilamente, olhando o movimento. Como se vê, não prejudica ninguém, embora possua uma memória e inteligência capazes de reconhecer pessoas com quem conviveu há muito tempo e estar perfeitamente lembrado de seus nomes e episódios da história de suas vidas e de suas famílias.

O terceiro personificava, pois já faleceu, um herói de guerra, e costumava permanecer em frente a uma das farmácias da cidade e ali ficar escrevendo com um giz na calçada ou em pedaços de madeira como se estas fossem placas de homenagens que lhe serviam às vezes de credenciais ou condecorações.

E o quarto, apesar de não ser mais um jovem, ainda conserva uma certa jovialidade. É um excelente desenhista e retratista. Como é surdo-mudo, vive isolado, talvez porque as pessoas não o compreendam. Mas quando o encontro, ele fica alegre, e além de ler nos meus lábios o que digo, consegue se comunicar comigo através de sussurros inteligíveis. Faz tempo que se mudou para a capital. A última vez que o encontrei, na estação rodoviária, me mostrou sorridente um troféu que havia ganhado num concurso de artes, e me disse que estava trabalhando há muito tempo como zelador num edifício da Rua da Praia.

Estes são os “heróis de Freud”. Eu os entendo. Alguns são meus amigos e todos são nossos irmãos. São boa gente, com a única diferença que deixaram, por circunstâncias da vida, de se importar ou se preocupar com as loucuras, as adversidades e as formalidades do mundo ao seu redor para se enclausurarem em si mesmos, e agora vivem, creio que mais felizes, em seu próprio mundo particular.

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