Acácio e Pacheco

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Quem não curte belos momentos no banco da praça, não vive a vida alegre e efusivamente, diria o conselheiro Acácio com a sua costumeira criação de frases adjetivadas e inócuas. Por isto, não perco a oportunidade de conversar junto a um deles, pois se o colóquio não for proveitoso, resta fixar a imaginação no verde dos arbustos e no colorido das flores para compensar o desperdício do tempo.

Em uma destas conversas despreocupadas o meu interlocutor passou a tecer comentários lisonjeiros a determinada pessoa e não regateou adjetivos para conceituá-la como intelectual. Em certo momento interrompi-o e perguntei-lhe se já havia lido ou sabia de alguém que tivesse lido algo escrito pelo elogiado. A resposta foi negativa.

Remoendo as minhas lembranças, afirmei a ele que também eu nunca havia lido ou tomado conhecimento de algum texto erudito de autoria de nosso personagem momentâneo. Para não encerrar o diálogo sem ter a segurança do que expusera, meu interlocutor valeu-se de uma afirmação indefinida e aleatória: é o que dizem dele, concluiu.

Naquele momento, aproveitei o hiato decorrente da troca de assunto e lembrei-me de Eça de Queirós (1845-1900) e de seus dois marcantes e significativos personagens imortalizados pela ironia sarcástica do seu criador – o conselheiro Acácio e Pacheco.

Para quem não está a par destas personagens, o autor informa que o conselheiro “era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo ia-se alargando até a calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto;… Os seus gestos era medidos mesmo a tomar rapé”. Não dizia vomitar, empregava ‘restituir”.

Era autor de dois ou três livros de títulos prolixos que não mereceram muitos leitores. Não obstante o conselheiro Acácio ser uma figura coadjuvante do romance O Primo Basílio, o certo é que a sua participação marcante ficou eternizada o que não aconteceu com os componentes do triângulo amoroso da obra, Basílio Luísa e Jorge.

Pacheco (José Joaquim Alves Pacheco) não foi diferente. O autor, travestido no missivista Carlos Fradique Mendes, descreve quem foi aquele cidadão. “Pacheco não deu ao seu país nem uma obra, nem uma fundação nem um livro, nem uma idéia. Pacheco era entre nós superior e ilustre unicamente porque tinha um imenso talento (…) este talento, que duas gerações tão soberbamente aclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visível! O talento de Pacheco ficou sempre calado, recolhido nas profundidades do Pacheco!”

A fama do talento de Pacheco surgiu em uma aula em Coimbra, quando ele fez uma afirmação definitiva: “o século XIX era um século de progresso e de luz”. Bastou esta frase para a fama do talento de Pacheco se perenizar e assim foi até a seu passamento, “cuja morte está sendo tão vasta e amargamente carpida nos jornais de Portugal”.

Estes talentos ainda andam ao nosso lado e não notamos.

* Renato Levy é advogado em Santana do Livramento/RS

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